Personalidade do mês de Janeiro: Brenda Lee 

Por Lucas Pires – Coordenador de Políticas Sociais Antirracismo

 

 

 

Brasil da década de 80. Surgiam os primeiros casos de AIDS no país e, somado a isso a sombra da estigmatização da comunidade LGBT diante da doença, fazendo-os rejeitados por sua família e reafirmando suas condições à margem da sociedade. Junto a isso, a aplicação de políticas higienistas e punitivistas para conter a epidemia, criminalizando os corpos travestis, tornado-os objetos de inimizade e abjeção social no Brasil do regime militar e também no da redemocratização. É nesse cenário, sensibilizada à crueldade transfóbica e ao grande número de pessoas enfermas não amparadas pelo Estado, que surge Brenda Lee.

Pernambucana de Bodocó, nascida no dia 10 de janeiro de 1948, adotando inicialmente o nome de Caetana, Brenda chega em São Paulo aos seus 14 anos, instalando-se no bairro do Bixiga. Com a intenção de fugir da prostituição, adquiriu um imóvel no número 779 da rua Major Diogo fazendo deste uma pensão até que, em 1984, acolheu ali um portador do vírus HIV. Em continuidade, recebia travestis e LGBT’s expulsas de suas famílias devido à sua sexualidade e também pela sorologia positiva ao vírus.

Em 1985, o número de acolhidos por Brenda Lee se tornou maior após uma série de assassinatos de travestis próximo à região da Avenida Indianápolis e Chácara Flora, na Zona sul paulistana. Foi assim que, espontaneamente, a pensão 779 da Major Diogo se tornou a “Casa das Princesas”, sendo reconhecida como a primeira casa de apoio à pessoas que viviam com HIV/AIDS no Brasil. Conforme relatos de amigos de Brenda e de moradores da casa, mais que fornecer abrigo e alimentação, o ambiente da Casa das Princesas era repleto de carinho e afeto, proporcionando vínculos de amizade entre os acolhidos.

Dessa forma, a casa de Brenda acabou se tornando uma referência para a rede estadual de saúde de São Paulo no que tange o tratamento à AIDS. Em 1988, objetivando o acolhimento e cuidado de soropositivos, independentemente de distinções de gênero e orientação sexual, a casa firmou convênio com a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. E em 1992, a Casa de Apoio Brenda Lee é registrada formalmente e reconhecida juridicamente, constituindo Brenda Lee como presidente vitalícia.

De modo trágico, o trabalho de Brenda foi interrompido com seu assassinato em 28 de maio de 1996, aos 48 anos. Como acusados do crime, um ex-funcionário da casa de apoio e seu irmão, que cometeram o homicídio após uma tentativa de fraude financeira contra a ativista que por sua vez os denunciou à polícia.

Após a morte do “anjo da guarda das travestis”, como ficou conhecida, a casa de apoio foi vendida por seus familiares a uma ONG, e os trabalhos da Casa de Apoio Brenda Lee, incluindo acolhimento e suporte aos acolhidos, conforme sua vocação original, foram retomados em 2016.

Como forma de evidenciar a força da sua luta contra o HIV/AIDS, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo cria em 21 de outubro de 2008 o Prêmio Brenda Lee, com o intuito de evidenciar iniciativas de combate à AIDS em âmbito nacional.

Conforme nota publicada no último 14 de janeiro pela Agência Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) ao rebater falsas notícias veiculadas à respeito da violência contra transgêneros, em 2019 o Brasil seguiu pela 10ª vez consecutiva como o país que mais mata pessoas trans no mundo. Este mesmo país onde transgêneros são excluídos sistematicamente do mercado de trabalho e impedidos de convivência em ambientes públicos de modo violento. Que a força da solidariedade de Brenda Lee abra espaço aos grupos hoje marginalizados e nos inspire como forma de luta na promoção humana, nas transformações sociais, e no combate à LGBTfobia.

 

 

 

Saiba mais sobre a iniciativa “Personalidade do Mês” em: http://bit.ly/2uF1zMQ

29 de janeiro de 2020