MANIFESTO EM SOLIDARIEDADE A SAMUEL BONIFÁCIO

 

No dia 24 de novembro, mais um jovem foi agredido em Uberlândia. Mais um jovem negro foi vítima de violência covarde e injustificada dentro de um bar da cidade, localizado no bairro Carajás. A vítima, Samuel Davi Vieira Bonifácio, de 27 anos, não cometeu nenhum delito ou qualquer dano ao estabelecimento. Em nenhuma hipótese, qualquer funcionário ou frequentador deste local, poderia  utilizar de conduta violenta. 

Exatamente após 5 (cinco) dias do espancamento e assassinato de João Alberto Silveira Freitas (40 anos), às vésperas do simbólico Dia da Consciência Negra, nas dependências de outro estabelecimento, verificamos que a agressão dirigida a outro homem negro reproduz a escalada de violência sistemática contra o povo negro nessa sociedade.

A violência sofrida por Samuel, por motivo fútil, viola, a um só tempo, dois sistemas de normas fundamentais: as que protegem a dignidade da pessoa humana, quando violam sua integridade física; e as normas que protegem a população negra contra o racismo estrutural.

Refere-se aqui ao racismo que não precisa ser revelado de forma verbal e que quase nunca o é, mas que reside na maneira com que os fenômenos sociais se reproduzem, guiados pelas estruturas sociais nas quais se alicerçam.

Quando se tem em mente que o racismo estrutural constitui uma das marcas principais da nossa organização social, é preciso que o Poder Judiciário e o governo operem no sentido do desmonte dessa estrutura, pois, o silêncio diante desse fato social os tornam ética e politicamente responsáveis pela manutenção do racismo.

A mudança da sociedade não se faz apenas com denúncias ou com repúdio moral ao crime de racismo: depende, antes de tudo, da tomada de postura, políticas públicas e da adoção de práticas antirracistas, ou seja, contrárias ao crime de racismo; portanto, nós, organizações, entidades, grupos e coletivos do movimento negro uberlandense, reafirmamos nosso compromisso com a resistência e a luta antirracista, pois não somos e não seremos coniventes com posturas criminosas que ferem os direitos da pessoa humana, ferem a nossa constituição e fomentam o ódio entre as pessoas de diferentes raças. Não aceitaremos. Seguimos enfrentando as opressões que produzem desigualdades que atingem diretamente nossas existências.

Portanto, esta articulação se dá para além das fronteiras institucionais, em diálogo e ações conjuntas de reconhecimento de tais opressões como parte de um projeto necropolítico. A História exige da população negra brasileira (e o presente manifesto se dá em nome da população negra uberlandense), ações articuladas para o enfrentamento ao crime de racismo, às desigualdades, injustiças, violências e violações derivadas desta realidade.

Neste manifesto nos reunimos para fazer incidência em nossa defesa a partir de valores da colaboração, solidariedade, reconhecimento e respeito às diferenças. Em defesa da vida, da dignidade e de direitos arduamente conquistados, irrenunciáveis e inegociáveis por uma sociedade livre do racismo que tem nos afetado moral, cultural, política e economicamente.

Demandamos que o governo Estadual e Municipal reconheçam o genocídio sistemático da população negra, especialmente em relação à juventude, criando um Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial – com participação de representantes do legislativo, judiciário, executivo e sociedade civil –  com propósito de elaborar diretrizes para construção de políticas públicas em prol do combate à discriminação, e promoção de ações que garanta a proteção e direito da população negra. Por tempos as entidades do movimento negro local já estabeleceram propostas práticas e urgentes para que casos como o referendado tenham devidas resoluções, a saber : 1) Criar uma delegacia especializada em crimes raciais e delitos de intolerância; 2) Instaurar investigações criminais com previsão de interdição dos estabelecimentos que estimulam práticas discriminatórias; 3) Elaborar Projetos de lei municipal que prevê multa para condutas discriminatórias por razão da raça, crença, orientação sexual ou identidade de gênero; 4) Criar um Programa Municipal de formação para as relações etnicorraciais para as polícias civil e militar em parceria com o governo do estado.

Por todas as razões expostas, requeremos, neste caso pontualmente, que a Administração Pública de Uberlândia tome todas as providências legais e administrativas necessárias para investigação do fato e responsabilização dos envolvidos, como:

  • Manifestação imediata do Ministério Público acerca do caso denunciado, assumindo sua responsabilidade procedendo com a devida instauração de inquérito civil público, por se tratar de situação jurídica lídima. Em outras palavras, assumindo responsabilidade pela defesa direta e imediata dos interesses públicos confiados à sua tutela;
  • O estabelecimento de compromisso público dessa instituição na participação ativa no processo de desconstrução do racismo na cidade de Uberlândia, intensificando sua atuação extrajudicial e sua interação com os movimentos sociais, principalmente com o movimento negro, com objetivo de contribuir para a construção de uma sociedade mais tolerante às diferenças e mais respeitadora dos direitos humanos;
  • Que o PROCON como órgão público municipal, que, administrativamente, defendem os consumidores e as práticas justas no mercado de consumo, considerando que a origem do direito violado deriva diretamente da lei nº 7716, que define os crimes resultantes do preconceito de raça ou de cor, com destaque para o art. 5º (Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador), podemos falar em responsabilidade civil extracontratual do estabelecimento, que este órgão também se manifeste e firme compromisso na atuação, de forma preventiva e repressiva, no combate ao cometimento de violações de direitos, não apenas preservando o Direito Consumerista, nas dependências de qualquer estabelecimento;
  • Que a prefeitura, através de suas secretarias, promovam campanha imediata em todas as mídias digitais, de conscientização, respeito e defesa da diversidade étnico-racial, bem como veicular propagandas que incentivem a denúncia de crimes raciais e providenciem abertura de diálogo junto aos movimentos negros para construção de projetos conjuntos para tornar Uberlândia mais segura  e digna para a população negra.

Solidarizamo-nos mais uma vez com Samuel e sua família, e chamamos todas as pessoas negras a não silenciar  nenhum tipo de agressão física ou moral, que tem nos ferido constantemente e aos nossos. Não se cale, denuncie. Vidas negras importam. Não recuaremos.

 

Assinam esse manifesto as seguintes organizações, coletivos e instituições:

Centro de Memória da Cultura Negra Graça do Aché

Coletivo de Estudo e Pesquisa em Poética Afrolatinoamericanas e Educação para as Relações Étnicos-raciais (Yalodê Geplafro UFU)

Comissão de Igualdade Racial OAB 13° Subseção Uberlândia/MG

Conselho de Capoeira do Triângulo Mineiro e Região

Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR)

Diretoria de Estudos e Pesquisas Afrorraciais (DIEPAFRO/UFU)

Fórum de Promoção da Igualdade Racial (FOPIR)

Grupo de Pesquisa “Estudos Negros” – UFU/CNPq

Grupo de União e Consciência Negra de Uberlândia (GRUCON)

Grupo Integração da Consciência Negra de Uberlândia (GRICONEU)

Marinheiros de Nossa Senhora do Rosário

Movimento Negritude e Poder

Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB/UFU)

SINTET – Sindicato dos Trabalhadores Técnico – Administrativos em Instituições Federais de Ensino Superior de Uberlândia

 

Não recuaremos. Opressões estruturais não são enfrentadas com ações simbólicas e pontuais, mas com a força da ação coletiva organizada. Participe. Assine o Manifesto, encaminhando informações sobre sua organização, entidade, grupo ou coletivo para os emails: diepafro@reito.ufu.br ou neab@reito.ufu.br.

27 de novembro de 2020