CONJUNTURA: TUDO QUE COMEÇA ERRADO, TENDE A DAR ERRADO

 

Uberlândia, e praticamente todo o Triângulo Norte, se aproximou muito de Manaus, infelizmente.

No município, algumas UAIs já fecharam suas agendas para consultas que já estavam marcadas, estão trabalhando somente em atendimento de urgências e no enfrentamento ao COVID-19 com 99% de ocupação nos leitos de UTI. Hospitais particulares de Uberlândia cancelaram as cirurgias eletivas por não terem espaço para o suporte à vida, o COVID-19 dominou toda a estrutura de apoio.

Em Coromandel o Prefeito está em desespero na busca de cilindros de oxigênios vazios para conseguir ter alguma segurança no atendimento. Já na cidade de Ituiutaba, a Prefeita também já tornou pública, em live, a informação de que o sistema está se colapsando.

O quadro no final dessa nota é de semana passada e, como vemos, já estava crítico, e no dia de hoje já tivemos informações de que as coisas pioraram.

Mas por que chegamos a esse ponto? Algumas reflexões são necessárias, e se realizadas com critério e isenção, nos levam a conclusões muito preocupantes, por não apontarem nenhuma luz no fim do túnel.

Tudo que começa errado, tende a dar errado. Uberlândia escolheu começar errando já na formação do Comitê Municipal de Enfrentamento ao COVID. Não duvidamos da capacidade dos que lá estão, mas alguns questionamentos precisam ser feitos: por que o Conselho Municipal de Saúde (CMS) não tem cadeira dentro deste Comitê? A resposta parece clara. Desde o início da primeira gestão do atual prefeito neste ciclo, não foram poucas as tentativas de deslegitimar e esvaziar este conselho. Outro questionamento necessário é: o órgão fiscalizador das políticas de saúde, estabelecido legalmente para acompanhar e cobrar das autoridades públicas a realização adequada de políticas de proteção à saúde da população, deveria fazer parte como membro decisor do Comitê Municipal de Enfrentamento ao COVID-19? Até onde a presença do MP da Saúde como membro integrante do Comitê compromete o seu papel de fiscalizador? É possível ao MP da Saúde como tomador de decisões dentro do Comitê fiscalizar e cobrar se as políticas estão acertadas ou não? Não há conflito de interesses ocasionado por sua participação direta nas decisões do Conselho? Ora, é muito claro que a presença do MP da Saúde dentro do Comitê deixa a população sem ter a quem recorrer, por ter sido ele um dos votos a aprovar tais medidas.

Paralelo a isso, é evidente a falta de compromisso do poder público com a preservação da vida. Desde o início da pandemia as autoridades públicas regionais têm refletido sistematicamente o desprezo pela vida e um amor incondicional à economia.
Claramente nota-se um interesse revoltante em proteger as elites e um desprezo, mais revoltante ainda, pela vida das trabalhadoras, dos trabalhadores e das classes mais vulneráveis econômica ou socialmente.

Especificamente em Uberlândia adotou-se um faz de conta, um fingir fazer algo, que um olhar mais atento revela os reais interesses em tais medidas.

No ano que passou, a governança municipal ao invés de buscar soluções que pudessem garantir um afastamento social mais efetivo, preferiu sair do lockdown precipitadamente, atendendo às ordens do CDL e da ACIUB, preocupada, provavelmente, com o apoio econômico para as eleições municipais que se realizaram em outubro.

Não se discutiu naquele momento nenhuma política de apoio às classes vulneráveis ou aos microempresários, nenhuma política de renda mínima. A justificativa é de que não havia recursos. No entanto, tanto prefeitura, quanto a Câmara Municipal encontraram recursos em torno de 20 milhões de reais para socorrer a empresa de transporte coletivo de Uberlândia. Vale ressaltar que esta mesma empresa já possuía na época uma dívida com a Prefeitura em impostos não pagos, em torno de 15 milhões de reais, ou seja, ao invés de cobrar da empresa os impostos atrasados e discutir uma forma de repassá-los à quem realmente precisava, tanto o executivo quanto o legislativo municipais optaram por agraciar tal empresa com um socorro financeiro. Em contrapartida, não exigiram nem ampliação da frota, pelo contrário, numa estratégia completamente dissociada das necessidades do momento, preferiram reduzir a circulação de coletivos com a justificativa de que menos ônibus, menos pessoas circulando.

Não bastassem essas medidas insensatas e contraditórias, o ano de 2021 já se inicia com medidas completamente errôneas na condução da pandemia. Primeiro determina-se o retorno às aulas presenciais nas escolas municipais e, em seguida, elabora-se um sistema de fechamento do comércio que tem tudo pra fracassar.

Até o mais inocente dos cidadãos sabe que a redução do horário de funcionamento do comércio implica diretamente em aumento na concentração de pessoas e no volume de pessoas circulando. Claramente isso refletirá em ônibus mais lotados, mais contato, mais contágio. Enfim, o/a trabalhador/a contagiado/a durante o dia, contagia a criança à noite, que leva o vírus para a escola no dia seguinte e por aí vai. Não é preciso ser nenhum gênio para perceber isso. Essa política nefasta só vai privilegiar o Vírus, que continuará circulando, livre, leve e solto.

Se a intenção é “salvar a todos/as”, inclusive a economia, como apregoam as autoridades públicas, por que não escalonam o fechamento do comércio por área de atuação, estendendo o horário de funcionamento, ampliando a frota de ônibus e executando uma fiscalização séria sobre o comportamento da população?

Soluções existem, mas contrariam interesses, e se esses interesses contrariados forem dos financiadores de candidaturas, então as soluções são ignoradas. Por isso a necessidade urgente que apresentam de voltarem com as aulas presenciais no município: para atender aos interesses das escolas particulares, de uma elite que deseja Estado mínimo, mas vive recorrendo ao Estado sempre que seus lucros são ameaçados, e de um grupo de pais e mães, inconscientes de seu papel protetor, que querem se livrar dos seus filhos a qualquer custo, mesmo que por algumas horas do dia.

Mas é só o poder público responsável pelo agravamento da crise na saúde neste momento? A resposta é NÃO. A população tem sua parcela de responsabilidade.

É responsável quando não exige uma postura mais séria das autoridades públicas neste enfrentamento, afinal, foi parte desta população quem as colocou no poder municipal. Então, ela pode exigir e tirá-las, se for necessário.

É responsável quando não percebe a sua responsabilidade na proteção da saúde e da vida das pessoas próximas como vizinhas/os, familiares, colegas de trabalho e vive promovendo as festinhas ordinárias que são noticiadas todos os dias.
É responsável quando ao invés de buscar a informação séria, científica e adequada à proteção e ao combate ao vírus prefere as orientações distorcidas da realidade. Quando abandona as orientações de cientistas renomados e dedicados, e abraçam a opinião de questionáveis “guias espirituais”.

É responsável quando conhece as orientações das organizações de saúde e preferem utilizar a máscara incorretamente ou até mesmo não usar e quando não respeita o distanciamento social, basta uma ida rápida à farmácia ou ao supermercado para verificar as bizarrices.

Enfim, a realidade está nos dando um alerta, o vírus está nos avisando: ou mudamos nosso comportamento tornando-o mais solidário, mais fiscalizador e mais exigente com as autoridades públicas por uma política séria de enfrentamento da pandemia, ou vamos todos/as sucumbir nessa tragédia anunciada.

15 de fevereiro de 2021