Operação Tarântula, Ditadura Militar e Ausência de Travestis nas Instituições

Lucas Pires – Coordenação de Políticas Sociais e Antiracistas do SINTET-UFU

 

 

OPERAÇÃO TARÂNTULA, DITADURA MILITAR E AUSÊNCIA DE TRAVESTIS NAS INSTITUIÇÕES
 

Travesti: termo que nasceu no contexto dos regimes ditatoriais da América Latina para designar, de forma pejorativa, aqueles/as quem não se enquadravam no padrão cisnormativo. A estrutura social imposta por estes regimes políticos imputava a esses corpos uma condição de marginalidade, abjeção e silenciamento, negando o acesso a direitos civis básicos e impondo relações de trabalho irregulares, como a prostituição. A condição de vida destas pessoas, no período ditatorial, que ocorreu na segunda metade do século XX, fez com que essa expressão de gênero tão específica surgisse na parte Sul do mundo.

Logo após a queda do regime no Brasil, foi arquitetada pela Polícia Civil do Estado de São Paulo, em 1987, a Operação Tarântula. Uma operação higienista, fruto da realidade construída nos anos anteriores, que tinha por objetivo a prisão de travestis. Sim, foi desta maneira que denominaram: tarântula! O repugnante, asqueroso e peçonhento aracnídeo de várias pernas. Em pouco menos de duas semanas, período que durou a operação, 300 (trezentas) travestis foram violentadas e detidas em São Paulo.

A redemocratização burguesa no Brasil carregou, e muito, as marcas das estruturas sociais já instaladas no país. Os pilares do racismo e do machismo – elementos da transfobia – encontrou ambiente confortável nos desdobramentos da Constituição de 1988. As instituições arquitetadas e reorganizadas excluíam – e ainda excluem de forma orgânica – os corpos dissidentes da centralidade social e impediam participação efetiva destes na construção de uma nova realidade deveras democrática. Seriam os mecanismos de Tarântula reciclados e reaplicados?

Onde estão as travestis e demais indivíduos que não se sujeitam, ou não se adéquam, à norma posta do “ser”? Os progressos mínimos que tivemos nos impedem de dizer que evoluímos de fato. Estes corpos ainda estão ausentes dos espaços. As instituições ainda os excluem com os mecanismos reciclados de Tarântula. É o que vemos de modo palpável quando percebemos ainda os mesmos sintomas sociais de exclusão. Enquanto as instituições aceitarem passivamente as imposições de governos antidemocráticos, como o que vivemos hoje, e não se oporem e se dispuserem a rever as suas estruturas, teremos ainda as marcas de um tempo sombrio.

O 31 de março, Dia Internacional da Visibilidade Trans, é coincidentemente o dia em que se chora o Golpe de 64. Há nesta data mais conexões do que discrepância de debates.

31 de março de 2021