28 de Junho – Dia do Orgulho LGBTQIAP+

Por Vinícius da Silva (@bioviniciux)

Autor do livro Fragmentos do Porvir (Ape’Ku, 2022)

 

 

Na tarde do dia 28 de junho de 1969, a polícia de Nova Iorque bateu à porta do bar Stonewall Inn, localizado na Greenwich Village, para mais uma de suas abordagens corriqueiras. No entanto, devido à brutalidade e a força da abordagem, o evento ganhou proporções maiores, levando mais de 400 pessoas para as ruas, em um protesto não somente contra a força policial, mas também contra a estrutura capitalista e colonial que organiza essa instituição.

Em um registro fotográfico do verão de 1969, vemos uma faixa: “Stonewall means fight back! Smash gay opression!” [Stonewall significa revidar! Destrua a opressão gay!]. Trata-se de uma manifestação após as rebeliões de Stonewall. E, ao contrário do que muitos pensam, não se tratou de uma manifestação por meros direitos, mas sim de uma insurreição radical.

A revolta de Stonewall durou dias e reverbera até hoje no fazer político de pessoas LGBTIs e queer. Em One-dimensional Queer, o pesquisador afro-estadunidense Roderick Ferguson aponta que Stonewall foi um fenômeno político que se relacionava com outras insurreições à época, como a Marcha dos Direitos Civis (1965) e a Marcha Anti-Guerra (1969), ressaltando o caráter anti-capitalista e interseccional dos protestos.

Depois de um ano, é realizada a primeira Marcha do Orgulho Gay, manifestação que inaugura as paradas do Orgulho Gay. A partir da década de 90, essas paradas vão ser renomeadas para incluir lésbicas, bissexuais e pessoas trans/travestis, sob a alcunha do Orgulho LGBT. Para além do Orgulho, a S.T.A.R. também foi uma importante ação (até mais importante ainda) que perdurou o legado de Stonewall.

No entanto, não nos enganemos com este nome. Stonewall não é um marco histórico sobre orgulho ou amor. Antes de tudo, estamos falando de uma ação contra o Estado. E justamente por isso, ao longo da segunda metade do século XX, a história do movimento passou por um processo de despolitização para adequa-lo às exigências de comodificação do neoliberalismo.

Na mesma época, no Brasil, na década de 70, o Movimento LGBTI+ começa a se organizar a partir do grupo Somos – composto majoritariamente por pessoas de classe média. Antes disso, no entanto, podemos encontrar nos arquivos, relatos da resistência travesti durante a Ditadura Militar e, já na década de 80, do enfrentamento à operação Tarântula, que fundamenta uma política estatal de extermínio de pessoas trans/travestis. A artista e transfeminista Angie Barbosa tem desenvolvido uma importante pesquisa que compreende os mecanismos de atuação do Estado nesse sentido.

Desde o início, nos fronts essencialmente anti-Estado, observamos a multidimensionalidade das lutas. Pessoas negras, queer, trans/travestis, imigrantes etc, lutam em conjunto para desmantelar as forças opressoras do Estado moderno. Stonewall foi uma resposta à violência do Estado, e promover o apagamento do caráter insurrecional e interseccional do movimento é aliar-se a um Estado que, ainda hoje, continua nos matando.

Para que não nos esqueçamos, sobretudo neste mês em que se celebra o dito “orgulho LGBT”, é necessário prestar sempre atenção aos passos que foram dados para que estivéssemos vivas, hoje. Não que os dias de hoje sejam melhores, mas sem memória não há possibilidade de reconstrução do futuro. Esta é uma história sobre revolta, alianças e resistência. Stonewall não foi uma celebração. Stonewall foi uma insurreição.

 

Materiais disponíveis na internet:

Antinomia #61: Teoria Queer e Anarquismo

Movimentos queer: ação antipolítica e crítica da unidimensionalidade

O Estado e a violência contra corpos trans

28 de junho de 2022