SINTET-UFU entrevista Vilmar Martins, diretor do documentário “Delírios da ordem, fantasmas do progresso”

Por Osmam Martins

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Vilmar Martins à esquerda e Osmam Martins (Comunicação SINTET-UFU) à direita.

Recentemente, Vilmar Martins Júnior, 28, que é técnico administrativo lotado no setor de pesquisa e cultura da biblioteca da UFU campus Santa Mônica, dirigiu o documentário ‘Delírios da ordem, fantasmas do progresso’. O filme aborda a partir de entrevistas e documentos, de que forma a ditadura influenciou a vida de pessoas comuns, que concordavam ou não com o regime implantado em Uberlândia à época. O projeto recebeu apoio financeiro do Fundo Municipal de Cultura (FMC) e o apoio institucional da Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis (PROEX), representada por Dalva Maria de Oliveira à época.

O SINTET-UFU procurou o diretor do documentário, Vilmar Martins, para comentar a experiência e as peculiaridades identificadas durante a produção do documento histórico e necessário para Uberlândia e a região do Triângulo Mineiro sobre a ditadura militar.

De acordo com Vilmar, a idealização oficial se deu em 2012, após envio e aprovação do FMC. “O projeto começou sem ter uma pesquisa prévia, sem uma pré-produção, que a gente tivesse um levantamento consistente de pessoal”. Ele falou ainda que a produção também faz um link importante entre o golpe de 64 e golpe de 2016.

“(…) A ideia do filme era que ele ficasse pronto em 2014 por conta da questão dos 50 anos do golpe de 64, mas a gente não conseguiu terminar ele, e em 2013 começamos a acompanhar as manifestações, as tentativas de deslegitimar o governo que sofreu impeachment, esses acontecimentos políticos mudaram um pouco o que a gente estava pensando sobre o que ia ser, e no final das contas a gente falou um pouco no filme do golpe de 2016”, disse.

Perguntado sobre situações ou dados peculiares que observou durante a pesquisa, Vilmar falou sobre um documento, da embaixada estadunidense no Brasil, enviado para a Agência Central de Inteligência, a CIA, em Washington (DC). “O documento relatava a prisão e identificação de terroristas no Brasil a uma rede internacional comandada pelo [Leonel] Brizola, que até 1967-68 era o inimigo número 01 do regime, (…) ele foi exilado no Uruguai e de lá tentou articular alguns focos de guerrilha, inclusive com apoio de Cuba, e a embaixada alertou o pentágono para vir acompanhar o Brizola porque ele nacionalizou algumas empresas lá no Rio Grande do Sul e isso incomodou os norte-americanos”.

Outro destaque citado por Vilmar foi sobre o projeto ‘Brasil Nunca Mais’, documento publicado em 1985, em sete volumes, dois desses tratando especificamente da tortura no período ditatorial. “Os dois primeiros volumes tratando de tortura foi o primeiro levantamento sobre a violação de direitos humanos no período de ditadura, foi organizado por advogados e parte da igreja, com levantamento das torturas com nomes dos torturadores daqui de Uberlândia e pessoas que foram violentadas por eles aqui”, contou.

Para o diretor, “A diferença que existe na narrativa é que ela foca em figuras que sofreram a repressão, com prisões e tortura, além daqueles que tiveram seus projetos pessoais prejudicados, essas pessoas podem ser o meu tio, seu avô, por exemplo.”.

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Cartaz oficial de convite para estréia do documentário.

Um fato importante relatado por Vilmar foi que algumas famílias tradicionais de Uberlândia (Rondon Pacheco, Tubal Vilela, etc) se esforçavam em produzir uma memória de que o período militar foi uma época de desenvolvimento, ausente de crueldade. “De fato aconteceu, há provas, relatos, tanto que quase ninguém hoje tem a coragem de falar que a ditadura foi boa, mesmo quem teve coragem de apoiar na época, hoje em dia, uma das [memórias] vencedoras é a que identifica a ditadura como um período ruim, mas aqui em Uberlândia, curiosamente, as pessoas ainda tem orgulho, os políticos das famílias tradicionais já disseram publicamente que a ditadura foi importante para a cidade e trouxe desenvolvimento e tudo, a nossa ideia era mostrar que esse período de desenvolvimento também foi acompanhado de forte repressão e que pessoas comuns foram manipuladas pelo regime”, conta.

Em relação a perseguições anunciadas, Vilmar conta que o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) abriu centenas de inquéritos com objetivo de promover uma ‘caça as bruxas’ na região. “Todo mundo que era sindicalista, que era pró-reformas de base do João Goulart, do movimento estudantil na época, alguns centros acadêmicos do curso de Filosofia, alguns professores da escola Bueno Brandão e do Museu foram perseguidos porque eram considerados esquerdistas ou pessoas que eram claramente comunistas, como Roberto Margonari e Olívia Calabria”.

Ao fim da entrevista, o diretor do filme afirmou que a produção cria um ‘mosaico de memórias’ e apresenta de uma forma mais clara como há o ‘imaginário autoritário’ embrenhado no imaginário progressista da cidade. Para ele, a proximidade entre a emancipação política de Uberlândia e a proclamação da República brasileira faz do município sempre um aliado ao poder central no país. “Ela [a cidade] cresce nessa perspectiva republicana e com esse lema positivista ‘ordem e progresso’, (…) Uberlândia sempre esteve aliada ao poder central, nunca se comportou como cidade contra regime estabelecido”.

Vilmar completa destacando que Uberlândia participou da revolução de 30, apoiou o estado novo, o regime democrático, o golpe de 64 e logo após também entrou na onda da redemocratização e se aliou aos últimos governos do PT, com Gilmar Machado à frente da prefeitura, e agora, se alia ao novo governo que assumiu após o impeachment, confirmando a posição de ‘acomodação’ com o poder central.

20 de abril de 2017

  • Ricardo Takayuki Tadokoro

    Ótima reportagem! Que venham outras.

    • Osmam Martins

      Valeu Ricardo!