Fala SINTET-UFU | 03 de maio de 2023 | As contradições da falsa dicotomia entre trabalhador e empreendedor

PROGRAMA FM UNIVERSITÁRIA – 3 de maio de 2023

(Raissa) Olá, companheiras e companheiros ouvintes da Universitária FM, eu sou Raissa Dantas e está no ar o FALA SINTET-UFU.

Na última segunda-feira, dia primeiro de maio, celebramos o dia internacional do trabalhador e trabalhadora. E num contexto em que estes são chamados de colaboradores, ajudantes, empreendedores, ou que são convidados a, entre aspas, “vestir a camisa da empresa”, o FALA SINTET dessa semana traz um debate sobre o neoliberalismo e a ideologia individualista que ele produz, e que faz com que, muitas vezes, as pessoas não se entendam enquanto classe trabalhadora.

Pra conversar com a gente sobre esse assunto, nós convidamos Patrícia Vieira Trópia, que é doutora em Ciências Sociais pela Unicampi, docente do Instituto de Ciências Sociais da UFU e pesquisadora sobre o sindicalismo. Seja bem vinda, Patrícia.

 

(Patrícia) Olá ouvintes do Fala SINTET-UFU. Meu nome é Patrícia Trópia. Eu falarei com você sobre a seguinte questão: “trabalhador ou empreendedor?”. Como classificar as relações daqueles trabalhadores que são autônomos, mas que mantém relação subordinada, fixa com as mesmas empresas ou ainda daqueles trabalhadores que dispõem dos seus instrumentos de trabalho, um carro por exemplo, um telefone celular, um secador de cabelo, ferramentas e máquinas pra trabalhar pra outras pessoas. Como classificar enfim esse tipo de relação sem vínculo de emprego que vem se ampliando com a globalização neoliberal, principalmente em países dependentes como o Brasil.

Primeiramente é preciso lembrar que a informalidade ela é estruturante do nosso mercado de trabalho. Sempre teve peso no Brasil trabalhador sem carteira, sem direitos, o trabalhador por conta própria e aquele que vive de bicos. Com muita luta e organização é verdade as categorias de trabalhadores por exemplo, trabalhadores e mais recentemente as trabalhadoras domésticas foram sendo incorporadas ao conjunto de direitos da CLT. É aquilo que na linguagem corrente nós chamamos de o trabalhador ser fichado na carteira. A Constituição de 1988, ela é um marco pras conquistas trabalhistas. A Constituição de 1988 reduziu a jornada pra 44 horas, garantiu o direito de greve pros servidores públicos, ampliou os espaços de fiscalização do trabalho sem contar com o próprio SUS. Mas desde o governo Collor passaram a ser adotadas políticas neoliberais entre as quais a política de desregulamentação das relações de trabalho. A reforma trabalhista de 2017, durante o governo Temer, alterou profundamente o conjunto de direitos trabalhistas. Mudou inclusive o conceito de direito do trabalho. Ela incentiva que é melhor negociar do que contar com direitos instituídos legalmente. Ela reforça aquilo que a gente chama de prevalência do negociado sobre o legislado. Ela reforçou o individualismo. Ela enfraqueceu o caráter público do direito trabalhista. A reforma ela por sua vez ela não cumpriu aquilo que ela prometeu. Ela não diminuiu o desemprego, ela não ampliou os contratos formais e ela não fortaleceu as negociações coletivas.

Na realidade a reforma trabalhista de 2017, ela amplia o emprego informal, o trabalho por contra própria, o autônomo permanente, Ela então contribui pra disseminar essa confusão de que o trabalhador sem vínculo é empreendedor. A maioria das pessoas que se veem como empreendedoras são na verdade trabalhadores por conta própria. Falsos autônomos são trabalhadores que estão na informalidade sem direitos, em condições de concorrência que são absolutamente desiguais na competição, no mercado capitalista. A informalidade, ela passou a ser de certo modo naturalizada e os próprios trabalhadores passaram a achar que o modo como trabalham ou seja sem direitos, sem mediação direta das empresas como é o caso da uberização, que tudo isso significa que eles teriam se tornado empreendedores ou parceiros do capital. Nada mais fantasioso e ao mesmo tempo perverso.

A experiência cotidiana do empreendedorismo, ou seja, na informalidade, sem direito, a descanso semanal remunerado, sem férias, sem décimo terceiro, sem proteção e sem direito a afastamentos em casos de doença, acidente, invalidez, mostra que fugir da CLT e abraçar a ideia do empreendedorismo é um engano. O trabalhador pode até inicialmente ganhar mais, achar que é mais livre, aceitar a ideia do empreendedorismo. Todavia, com o passar dos meses, o trabalhador percebe que é só engano, que os aplicativos driblam a CLT e fogem da responsabilidade por exemplo e que a autonomia e a liberdade na verdade não existe.

Se a experiência concreta dos trabalhadores os ensina, nos ensina, cabe também aos sindicatos fazer essa discussão, evidenciando as armadilhas do empreendedorismo que precarizam a vida, a vida da família, a vida das mulheres, que fragilizam também a principal arma política que nós temos, que é a união e a solidariedade, né? Contra as formas de opressão e de exploração. Por isso nada mais necessário do que discutir nesse momento o trabalho e as pegadinhas do empreendedorismo.

 

(Raissa) Patrícia, nós agradecemos muito a sua contribuição. E esse foi o FALA SINTET-UFU dessa semana! Você pode conferir mais informações em nosso site e em nossas redes sociais. Ótima semana a todas e todos e até o próximo programa!

2 de maio de 2023