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GOLPE EM CURSO: Nota do SINTET-UFU sobre a ditadura e o (des)governo Bolsonaro

Coordenação Colegiada

 

 

Muito já se sabe sobre o que pensa Bolsonaro em relação à tortura, estupro, armas, milícias, assassinato em massa. Também já sabemos sobre o que pensa o presidente sobre a ditadura e um regime comandado por militares, sobre como enxerga os movimentos sociais, os professores, o seu medo e seu ódio da universidade, da ciência e da cultura e como ele acha que devem ser tratados os pobres, os trabalhadores e as trabalhadoras da saúde, os movimentos negros, os sindicatos e a juventude. Sabemos dos tipos de sujeitos pelos quais Bolsonaro tem afeto, sua noção de família, seus embustes, e conseguimos até prever suas palavras, não nos surpreendendo mais o caráter abjeto de suas falas, sendo uma das últimas a de que “é fácil impor uma ditadura no Brasil”.

Que é fácil impor uma ditadura no Brasil, a própria história republicana brasileira é exemplo. Mais difícil, porém, é nos libertarmos das condições que fazem com que boa parte da sociedade apoie a ideia de ditadura em detrimento da democracia. Vemos com muita tristeza e luto que, mesmo na pandemia, com milhares de mortos por dia, boa parte da população apoia os delírios mais autoritários de Bolsonaro e as notícias mais recentes dão conta de que o presidente movimenta o tabuleiro político, trocando ministros para, ao que tudo indica, promover um auto-golpe, decretando estado de sítio, e impondo sua política de morte sem qualquer tipo de resistência interna. Por mais que saibamos das divergências existentes dentro do bolsonarismo e certa resistência de alguns militares preocupados com suas biografias, não confiamos que um ou outro general, membro de alto escalão do governo, venha a ser o bastião das instituições democráticas contra os arroubos da familícia.

Não é raro nos depararmos com notícias sobre os rachas internos, para além das “rachadinhas”, entre Bolsonaro e supostos núcleos ideológicos e núcleos de militares moderados e radicais, como se tratassem de posturas completamente divergentes quando conhecemos os fatos que unem o projeto bolsonarista à questão mal resolvida dos militares com a democracia brasileira, o fato de que, não só são despreparados e incompetentes no plano executivo, como não reconhecem sua impertinência ao mundo civilizado. Recusam-se também a reconhecer as torturas e as violações que a ditadura cometeu por vinte e um anos, e, não contentes em se esconderem por trás da impunidade desses crimes, ainda debocham das vítimas e seus familiares.

Os militares junto com Bolsonaro, têm, ou pelo menos tinham, um projeto de passar para a História como heróis. Porém um componente letal agregou-se ao cenário político catastrófico nacional e já não se trata mais de considerar as consequências da pandemia como resultado do despreparo, da incompetência ou da má gestão (óbvia) de militares e civis bolsonaristas no Ministério da Saúde e em outras áreas essenciais, trata-se de reconhecer a utilização pragmática e racional da morte, através da apologia à contaminação, da desinformação, do desprezo pelas vítimas e a negação em oferecer possibilidades reais de superação da pandemia no Brasil, sequer de seu controle em patamares não caóticos, além da imposição de uma série de retrocessos legais em diversos setores. Bolsonaro sacrifica o povo brasileiro aplicando uma política de extermínio típica dos genocidas.

Embalados por uma parcela significativa da sociedade que ecoava o “fim da corrupção”, esses homens que chegaram ao poder levaram consigo milicianos, juízes e banqueiros e, claro, um projeto de sociedade gestado no submundo da ditadura, com o povo lançado à miséria de uma eterna colônia. Sem nenhum ineditismo histórico, mas também sem nenhuma reserva de pudores, Bolsonaro une militares e mercado, desta vez para destruir as conquistas sociais, a constituição de 1988 e o Estado de Direito, fazendo crer que estão combatendo o “comunismo” e lutando a favor da família, enquanto milhões de famílias sofrem as consequências da pandemia, com os seus mortos, que se somam aos mortos da ditadura. Todos e todas que morreram são resultado de uma política de extermínio de Estado.

Se existem divergências entre a política de militares que se consideram os tutores da República e Bolsonaro, estas divergências se dão no varejo, não no atacado. Alguns projetos e ações, vistos em conjunto, ajudam a delinear o movimento de reedição da ditadura, o que demonstra que, no plano macro estratégico, existe um casamento perfeito entre estas forças.

A começar pela educação, temos visto o avanço das chamadas “Escolas cívico-militares” e a intervenção de Bolsonaro nas Universidades e Institutos Federais atropelando a autonomia didático pedagógica das instituições de ensino para impor um modelo baseado na obediência e na submissão, no controle da pobreza e na exclusão educacional, na perseguição aos estudantes e servidores da educação. Para além destes efeitos de curto prazo, a militarização das escolas e destruição das universidades visa à guerra cultural que tem por objetivo eliminar o pensamento crítico para abrir espaço cada vez maior ao culto das tradições conservadoras.

Interessante é notar que a ditadura de 1964-1985 conseguia exercer certo controle político e repressão, ao mesmo tempo em que construía universidades e inaugurava obras e rodovias. Porém, ao contrário do que se pensa comumente, quando se diz que a ditadura teria tido suas “vantagens”, pois teria ajudado a modernizar e desenvolver o país, e que inclusive fez dinamizar cidades como Uberlândia, o que se têm, na verdade, são os desdobramentos mais trágicos de uma sociedade que aceita se “desenvolver” às custas da histórica desumanização dos sujeitos, desde a escravidão, passando pelos porões das ditaduras, pelas chacinas nas favelas e pelos mortos nas portas de hospitais com covid-19. Naturalizamos a barbárie cometida contra o povo brasileiro, em sua maioria preto, pobre e trabalhador.

Com Bolsonaro estamos passando por um desmonte do Estado de uma forma acelerada e brutal, numa continuidade das políticas de austeridade que já vinham sendo aplicadas por Michel Temer, vemos agora a aplicação intensa da cartilha econômica de Paulo Guedes e os economistas neoliberais que tiraram das gavetas o velho receituário de Milton Friedman e da Ditadura de Pinochet no Chile, com sua “doutrina de choque”, que consiste em criar e aproveitar-se das condições de guerra e das tragédias humanas geradas pelo próprio governo, para fazer “passar a boiada” das desregulamentações e da destruição das políticas públicas para atendimento dos direitos sociais mais básicos como saúde, educação, segurança, proteção ambiental e social.

Desta forma, retiram direitos trabalhistas, destroem os serviços públicos, arrocham os salários, aumentam o contingente de desempregados e subempregados e humilham as pessoas que vivem do trabalho. Enquanto isso os militares ganham cargos no governo, se tornam gestores de escolas, são poupados da reforma da previdência, tem seus soldos aumentados e, é claro, continuam reprimindo as manifestações das trabalhadoras e trabalhadores organizados por direitos e cidadania. Chegamos a uma situação em que a defesa do direito à proteção da própria vida e da saúde, diante da pandemia, virou alvo de ameaças e perseguições políticas por parte de bolsonaristas, setores do judiciário, militares e empresários. Não será mais uma dança de cadeiras no governo que nos alertará sobre a possibilidade de golpe contra a democracia, pois o golpe já está em curso, sem disfarces.

Há ainda uma série de movimentações explícitas, mas não menos preocupantes, que tem ganhado espaço no governo militar de Bolsonaro, que é a perseguição aos opositores através da Lei de Segurança Nacional, o desmonte do estatuto do desarmamento que resulta no aumento do poderio das milícias com a liberação de armas e munições sem rastreio, num processo que fortalece grupos extremistas paramilitares. A bolsonarização ou milicianização das polícias com a estratégia de transformação da PM em um braço armado do presidente da república, expresso num projeto de lei que vai dar autonomia às polícias militares, somadas às reiteradas manifestações de cunho nazista, racista ou supremacista de membros do governo, simplesmente apontam para um horizonte de mais tragédias anunciadas.

Devemos lutar para evitar que este horizonte mórbido se concretize na realidade. É preciso considerar que a luta do povo organizado é capaz de interromper o caminho que nos leva à barbárie. É preciso que nos lembremos de Paulo Freire, perseguido da ditadura de outrora e do tempo presente, que lembra que a libertação do oprimido passa pela libertação do opressor, através da educação e da luta social. Lembremo-nos ainda que neste ano se completam sessenta anos da campanha da legalidade de 1961, em que nomes como Leonel Brizola e setores progressistas resistiam ao golpe tentado por setores reacionários, que veio a ter êxito em 1964, porém não sem resistência. Devemos nos lembrar das iniciativas de advogados presos políticos como Sobral Pinto, que foram fundamentais na luta pelos direitos humanos durante a ditadura. Não esqueçamos a luta das mulheres, como Ismene Mendes, e dos familiares de mortos e desaparecidos políticos. Não nos esqueçamos das lutas fundamentais dos artistas, dos estudantes e de intelectuais como Darcy Ribeiro, dos combatentes que deram sua vida como Marighella e, assim como Marielle Franco, presentemente, continuam dando suas vidas pela democracia no Brasil e, ao darem suas vidas, não morrem, mas multiplicam-se e aumentam nossas esperanças no futuro, ainda que as tragédias continuem sendo regra.

Cobraremos nossos mortos! Democracia já! Ditadura nunca mais!

30 de março de 2021