A proposta de curricularização da extensão na UFU: entre o rosto e o retrato, o real e o abstrato

Mário Costa de Paiva Guimarães Júnior

Técnico Administrativo em Educação – Centro de Documentação e Pesquisa em História da Universidade Federal de Uberlândia

Raphael Bahia do Carmo

Técnico Administrativo em Educação – Centro de Documentação e Pesquisa em História da Universidade Federal de Uberlândia

 

 

As Universidades Públicas brasileiras realizam nesse momento um importante debate acadêmico, em virtude da Resolução nº 7 aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 18 de dezembro de 2018, que determina em seu artigo 4º que as atividades de extensão devem compor, no mínimo, 10% (dez por cento) do total da carga horária curricular estudantil dos cursos de graduação, as quais deverão fazer parte da matriz curricular dos cursos.[1]

[1] Ver Resolução nº 7/2018 do Conselho Nacional de Educação disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/55877808

 

Esse processo, publicamente denominado de “curricularização da extensão” apresenta elementos positivos uma vez que aumenta diretamente as possibilidades com a aplicação dessa Resolução, fomentando o fortalecimento da prática extensionista nas Universidades Públicas e ampliando o destaque a essas atividades, que hoje, no contexto universitário, concentram menos esforços que as áreas de ensino e pesquisa.

Essa situação é em grande parte estimulada pelos órgãos avaliadores que não estabelecem a prática extensionista como um critério importante para pontuação, visando a concessão de recursos financeiros ou mesmo qualificação dos cursos de graduação e pós-graduação.

Percebemos que o processo de curricularização da extensão corre o risco de não produzir os efeitos desejados por parte da comunidade acadêmica nessas últimas décadas. O que nos leva a necessidade de ocupar os espaços abertos para debate, firmando posições que tornem o produto final da curricularização mais plural e assertivo.

É desejoso que a extensão não se torne apenas algumas disciplinas conservadoras nos currículos dos cursos, que não permita a/o estudante vivenciar uma concepção prática autônoma, com liberdade pedagógica, que dialogue de fato com os conhecimentos e saberes populares, produzindo assim a necessária troca em que a Universidade apresenta para a sociedade os conhecimentos que foram por ela produzidos, e ao mesmo tempo receba as contribuições e reflexões dos saberes populares, incorporando as mesmas em suas atividades de ensino e pesquisa. Como foi expresso em diversos debates públicos, inclusive por representante da UFU, a extensão não deve ser e/ou não pode se resumir a uma prática assistencialista. E nós acrescentamos que a extensão não pode se transformar em uma prática em que a Universidade exporta seus conhecimentos, sem considerar a necessidade de um processo dialógico, em que também a sociedade externa tem muito a contribuir, interferir, aperfeiçoar, alterar, as reflexões e conhecimentos produzidos dentro da Universidade Pública.

No caso da Universidade Federal de Uberlândia, nesse processo de discussão sobre a curricularização da extensão, está aberto um debate importante que possui relação com a perspectiva de Universidade que queremos construir, uma vez que os parâmetros da Resolução nº 7/2018 do CNE, como não poderia ser diferente, são bastantes conservadores. O debate se refere se a UFU utilizará de sua autonomia administrativa e acadêmica, e assim construir um processo de curricularização da extensão que avance para um processo de democratização ou se resumirá a uma perspectiva restrita, dogmática e castradora para a produção extensionista.

 

Qual será o caminho que a UFU adotará?

Nossa pergunta foi estimulada ao tomarmos conhecimento de que as orientações apresentadas para as Unidades Acadêmicas da UFU, são de que os créditos que vão se referir às disciplinas de extensão, só poderão se relacionar formalmente com os projetos de extensão cadastrados no SIEX coordenados exclusivamente por docentes. Além de ser conservadora, nos parece estranha essa concepção de que a prática extensionista válida é somente aquela proposta e coordenada por docentes; pois nos remete a uma concepção autoritária gestada durante a Ditadura empresarial-militar (1964-1985) que reduzia a extensão a uma prática que deveria ser realizada apenas por docentes. E essa perspectiva conservadora limita a/o discente a possibilidades de contato com o rico e plural universo que existe na prática extensionista.

Esse importante debate sobre o perfil e a característica que queremos para a prática extensionista na UFU, está umbilicalmente relacionada com a perspectiva de Universidade que queremos construir no presente e no futuro. Nesse sentido, resgatamos Florestan Fernandes para expressar a necessidade de nesse debate, exprimirmos:

(…) novas concepções educacionais, uma nova mentalidade intelectual e uma nova compreensão das relações da universidade com a sociedade brasileira. Ela traz em seu bojo uma educação voltada para a vida humana nos marcos da civilização baseada na ciência e na tecnologia científica; uma inteligência inquieta, ativa e responsável; bem como um impulso irredutível à democratização de si mesma, da cultura e da sociedade (Fernandes, 1979, p. 67)

E com essas discussões sobre a curricularização das atividades de extensão e a participação dos técnicos administrativos em educação – TAE´S neste contexto, é necessário questionar sobre o que é ser um Técnico Administrativo em Educação em uma Instituição Federal de Ensino? Por que o nome de nosso cargo não é somente Técnico Administrativo? Onde se inserem as atividades de Educação em nosso fazer profissional?

Para compreender melhor essas questões recorremos a legislação e encontramos na lei 11.091 de 21 de janeiro de 2005[2] algumas pistas. O artigo 3º estabelece princípios e diretrizes para os TAE`S, entre os quais destacamos os incisos:

“II – dinâmica dos processos de pesquisa, de ensino, de extensão e de administração, e as competências específicas decorrentes;

IV – reconhecimento do saber não instituído resultante da atuação profissional na dinâmica de ensino, de pesquisa e de extensão.

Já no artigo 8º, a mesma lei dispõe que são atribuições gerais dos TAE`S, sem prejuízo das ações específicas:

II – planejar, organizar, executar ou avaliar as atividades técnico-administrativas inerentes à pesquisa e à extensão nas Instituições Federais de Ensino;

III – executar tarefas específicas, utilizando-se de recursos materiais, financeiros e outros de que a Instituição Federal de Ensino disponha, a fim de assegurar a eficiência, a eficácia e a efetividade das atividades de ensino, pesquisa e extensão das Instituições Federais de Ensino.”

Desta forma compreendemos que ações administrativas estão no cerne das atividades dos TAE´S, porém, de nenhuma forma, as ações dos Técnicos Administrativos em Educação são limitadas a atividades de apoio, pelo contrário, a legislação insere os TAE´S na dinâmica de execução do ensino, pesquisa extensão sem fechar nenhuma porta.

Sendo assim coube as Instituições Federais de Ensino – IFES, criarem para cada qual, seguindo a sua autonomia garantida, normas para regrar a atuação dos TAE´S nesses assuntos.

Na UFU a resolução n° 25/2019, do Conselho Universitário que estabelece a política de extensão da Universidade Federal de Uberlândia, em seu artigo 7º, dispõe que a extensão na UFU pode ser proposta por servidores da UFU (docentes e técnicos administrativos), desde que em efetivo exercício na Instituição, ou por estudantes regularmente matriculados em cursos de graduação ou pós-graduação da UFU, com saber comprovado na área pertinente e com vinculação às Unidades Acadêmicas, Especiais de Ensino ou administrativas.

[2] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11091.htm
A Lei 11091/2005 não caiu do céu. Ela foi fruto de um acúmulo de duas décadas de debates dentro das comunidades acadêmicas que debatiam uma concepção mais democrática para as Instituições Federais de Ensino Superior, e nesse sentido, essa Lei foi resultado de longas mobilizações protagonizadas pelas Técnicas e Técnicos Administrativos em Educação.

 

De nossa parte percebemos que os Técnicos Administrativos em Educação, cada qual com a sua especialidade e conhecimento, tem contribuído sobremaneira no desenvolvimento e coordenação de atividades de extensão, auxiliando na formação dos alunos e contribuindo com os seus respectivos órgãos.

Desta forma compreendemos a necessidade de discutir e equalizar a forma de como será feita a curricularização da extensão, discussão que está em pauta nos diversos conselhos de extensão da universidade, pois alguns cenários, que ao nosso ver não são bons, se apresentam como possíveis.

Devemos ficar atentos sobre a formalização do papel dos TAE´S, que irá se dar por meio do PEX, elaborado no âmbito dos conselhos de extensão de cada Unidade Acadêmica. Vislumbramos a possibilidade, de que em alguns órgãos, somente as atividades de extensão coordenadas pelos docentes irão contar nos 10% de atividade de extensão válida para o cumprimento da grade curricular, ficando as atividades coordenadas pelos TAE´S a ser utilizada somente para o cumprimento de carga horária em atividades complementares.

Percebemos neste cenário que as atividades coordenadas pelos TAE’S correm risco de, por mais atrativas e pertinentes que sejam, ficarem esvaziadas. Podendo este fato desestimular os TAE’S a apresentar novos projetos de extensão, prejudicando a formação discente e a interação da universidade com a comunidade em que ela se insere.

Hoje na UFU diversos TAE’S são ativos como coordenadores de atividades de extensão sem ganhar nenhum adicional pelo trabalho e responsabilidades extras, somente por perceberem que o seu conhecimento técnico e disposição para coordenar projetos podem fazer a diferença para os discentes e para a sociedade participante, tanto de forma direta como de forma indireta.

Como sugestão para equalizar essa questão e contribuir com as discussões que irão acontecer em um futuro próximo, apresentamos as seguintes alternativas, a serem consideradas pelos TAE’S e pelos conselhos de extensão.

1 – As atividades se enquadrem em linhas temáticas, podendo o discente escolher atividade coordenada pelos Técnicos Administrativos desde que se afinem a linha temática proposta pelo docente responsável pela matéria. Para isso, basta o docente ter a autonomia para apresentar uma lista de projetos de extensão registrados no SEI coordenados por servidores (Docentes ou Técnicos) que possuem relação com o conteúdo da disciplina; ou o discente apresentar ao docente o projeto de extensão que tenha relação com a disciplina.

2 – Que os órgãos ofereçam aos TAE´S a possibilidade de que se criar um programa de extensão permanente, com projetos de extensão pré-estabelecidos e acordados entre os TAE`S e os Docentes.

Essas duas sugestões iniciais poderão ajudar com que a UFU não conclua esse processo de curricularização apenas com um esboço ou retrato de um suposto fortalecimento da prática extensionista na UFU; mas que de forma real possamos construir uma prática extensionista democrática, autônoma, plural, enriquecedora, que valorize os diversos saberes, e que concretamente fortaleça as reflexões, o ensino e as pesquisas desenvolvidas por nossa Instituição, superando uma perspectiva de Universidade sintetizada por Florestan Fernandes com uma estrutura que condiciona uma visão atomizada, instrumentalista e oportunista, de um imediatismo contraproducente. As técnicas e os técnicos administrativos em educação na UFU, não merecem se sentir estrangeiras e estrangeiros em sua própria instituição de trabalho.

 

 

Referências Bibliográficas

FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira: reforma ou revolução?. São Paulo, Alfa-ômega, 1975.

FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a “teoria do autoritarismo”. São Paulo: Hucitec, 1979.

GESSINGER, Humberto. A Revolta dos Dândis I. In: A Revolta dos Dândis, 1987, RCA Records.

Lei 11091 de 12 de Janeiro de 2005, Dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação, no âmbito das Instituições Federais de Ensino vinculadas ao Ministério da Educação, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11091.htm

Resolução nº 7 de 18 de Dezembro de 2018. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024 e da outras providências. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/55877808

21 de julho de 2021