Pandemia, confinamento domiciliar e saúde mental.

Em tempos de pandemia, a nossa saúde mental merece atenção.

O SINTET-UFU havia firmado parceria com profissionais da psicologia para que as sindicalizadas e sindicalizados pudessem fazer tratamento com preços menores.
Conheça Cristiano Faria de Sá, um de nossos parceiros.

 

Pandemia, confinamento domiciliar e saúde mental.

De repente, tudo muda, tudo pára. E você é obrigado a se isolar. Você já não pode mais continuar a viver sua rotina diária. Levava sua vida normalmente, até que um dia, um vírus que estava do outro lado do mundo atravessa o oceano e o obriga de súbito a romper tanto sua rotina como a de toda a sociedade. Como podemos perceber, isso nos provoca um impacto psicológico. Nesse momento, nos perguntamos, como é possível mitiga-lo? Um momento como esse, de suspensão da ordem normal e privação de nossa liberdade, por si só, pode nos exigir um tremendo trabalho mental, e que é aumentado, uma vez que não há previsão de tempo para que a vida retome sua normalidade anterior, a não ser ao que tudo indica, que vai demorar mais que gostaríamos, se é mesmo possível usar essa palavra. É comum em situações assim, ou seja, de confinamento domiciliar, sentir-se desorientado(a), perdido(a), com maior dificuldade em se concentrar e por isso mesmo, sente a necessidade em buscar um norte no qual possa se apoiar, uma alternativa a esse novo estado. Então, vejamos algumas orientações:

Este trabalho mental aponta para um esforço psicológico no sentido de compreender e preparar-se, inclusive, emocionalmente, para viver a situação. Um trabalho interno no sentido de estar mais consciente de si como alguém capaz de lidar com essas recentes e drásticas mudanças. Também, reconhecer e conscientizar-se sobre o atual estado das coisas através de fontes confiáveis possibilita permitir sua assimilação e fortalecer sua capacidade de enfrentamento em relação a esse dado de realidade, a pandemia e a quarentena. Assimilar o que está acontecendo ou dito de outra forma, adaptar-se ao atual cenário para que esse percurso seja feito de forma mais salutar possível, resiliente por assim dizer.

Gostaria de chamar atenção para um trabalho mental bastante interessante apoiado em algumas leituras ou ainda em algumas situações da vida. Leia sobre o que foram os campos de concentração nazista ou os manicômios brasileiros e reflita. O diário de Anne Frank e Holocausto Brasileiro são indicações para que se tenha outra perspectiva do que é um confinamento de verdade ou então observar e refletir sobre a vida dos excluídos sociais. Essas leituras, talvez, dependendo de quem as faça precisam de um trato, um tratamento, pois, podem ser bem duras para o momento.

Ao contrário do que foi dito acima, uma postura que nega a situação e sua gravidade pode fazer com que o percurso se torne sensivelmente mais difícil e perigoso. Tal negação se mostra como uma forma de autoengano, o que conduz a um sentimento de estar à deriva, de estar descontextualizado e que de alguma forma rompe com o sentido das coisas.

Vale mencionar aqui sobre a manutenção da saúde (física, psíquica e social) de si e, quando for o caso, das pessoas que estão aos seus cuidados, bem como, sobre o equilíbrio emocional afim de evitar que se desorganize (em) emocionalmente a ponto de fazer deste um período muito mais difícil e penoso e com maiores complicações em reverter o quadro geral.

Há algum tempo está exposto uma polarização/divisão em nossa sociedade e que se intensifica numa situação tão incomum. Agir com empatia, senso de coletividade, tolerância e solidariedade se mostram como medidas salutares e que devem ser estimuladas, além de renovar os afetos (relações), mas com cuidado, pois, mesmo aqui, encontramos uma certa fragilidade e depende de como lidamos com esses laços sociais. E, como é bem do conhecimento comum a solidariedade faz bem não somente para quem a recebe, mas também para quem a pratica. Egoísmo, individualismo, preconceito, agressividade, oportunistas que se aproveitam da fragilidade alheia pertencem ao polo oposto.

Um ponto difícil de abordar, porém, inevitável é que, no geral, seremos atingidos economicamente. Como estamos impedidos de exercer nossas atividades remuneradas, teremos uma queda acentuada em nossas economias e será ainda pior para aqueles que trabalham na informalidade aumentando sua vulnerabilidade. Seja qual for o caso, é necessária uma projeção contábil e estabelecer prioridades sobre os gastos. Também, uma intervenção estatal, uma assistência do governo será fundamental nesse período.

Por tudo isso, faz-se pertinente trazer, em alguma medida, como objeto de discussão, alguns dos sintomas possíveis que podem surgir provocados pelo isolamento social e confinamento domiciliar.

Normalmente, os que primeiro são percebidos ou sentidos são o medo e a ansiedade. Em alguma medida não muito intensa ou não persistente podem se apresentar como uma legítima preocupação o que é bastante comum. Um fator que pode funcionar bem aqui é reconhecer fontes confiáveis de informações e apoiar-se neles, ao invés de buscar ou aceitar supostas notícias a todo tempo e em quaisquer canais. A partir do momento que alguém passa a agir de forma compulsiva, por exemplo, referente as informações sobre a pandemia ou sobre o lado financeiro, ou que o toma numa proporção disfuncional, ou seja, preso, capturado por esta questão específica, repete várias vezes sobre o mesmo tema com baixa possibilidade de diversificar os assuntos e sempre retomando a mesma problemática, então, apresenta sinais significativos de que precisa de ajuda.

Também, uma situação dessa pode ser um gatilho sobre alguém com histórico de uso ou abuso de substâncias psicoativas, mesmo que abstinente, e a partir daí passam a fazer ou retomar seu uso o que leva ao agravamento de sintomas, uma vez que, iludido pelo seu autoengano acreditando ter efeito ansiolítico, mas que na verdade tem efeito ansiogênico.

Outro possível sintoma e que afeta nosso humor é a sensação de vazio. Em um dia normal as pessoas são tomadas por seus afazeres, seus compromissos ou tem algum tipo de experiência que tampona espaços importantes do dia-a-dia. Já na quarentena, ou realmente sentem que não estão conseguindo fazer algo que alcance uma importância que preencha suficientemente essa lacuna ou se vêem desnorteadas
e perdidas, sem um propósito, sem saber o que fazer, o que pode abalar bastante a pessoa.

Alguns dos aspectos da quarentena exigem soluções práticas e um conjunto de estratégias pode ser uma alternativa bastante viável como suporte ao evitar cair numa situação de vulnerabilidade como um medo compulsivo, a sensação aguda de vazio e a falta de previsão de duração do isolamento:

* Reorganizar a vida cotidiana, um novo cronograma por meio de um rearranjo da rotina durante a quarentena para estabelecer o que fazer em determinados horários – e que poderá ser revisto a qualquer momento – com pausas e inclusões de atividades que sejam terapêuticas ou simplesmente descanso afim de evitar maior desgaste e minimizando o impacto. A importância em estabelecer essa nova “agenda” de atividades está em se (re)orientar por meio da utilidade de uma “rotina”, afim de evitar prejuízos, visto que uma quarentena pode afetar de várias formas, como quando as pessoas por se distanciarem demais de hábitos normais sentem-se mais ansiosas, apresentam comportamentos aleatórios e erráticos acarretando a sensação de desconforto e terminam por alimentar-se de forma irregular, sofrem com a alteração do sono, sentem-se cansadas ao longo do dia, alteram tarefas sem dar sequência ou conclusão. É importante saber que esse rearranjo da rotina pode ser feito mesmo após o início da quarentena (já tumultuada ou não) seja de forma individual ou familiar quando for o caso. Isso costuma ajudar na organização, a perceber as coisas acontecendo e evitar sentir-se perdido dentro de casa;

* Incluir, nessa nova rotina, algo que gostaria de fazer, mas não achava tempo, como exemplo, cursos online;

* Utilizar-se desse tempo para qualificar-se, desafiar-se, modificar-se, enxergarse num processo de autoconhecimento; * Tentar resolver aquela sensação de ter algo em atraso e sente que precisa colocar em dia;

* Cuidados com a higiene (mental, corporal) e mantenha-se organizado, cuidados com a casa e também a mantenha organizada, atividades físicas e alimentação. Sabendo filtrar, a internet poderá ser de grande auxílio;

* Se permitir, se for o caso, um espaço de isolamento momentâneo, afim de ter um tempo para si ao invés de estar sempre em contato com as demais pessoas da casa o tempo todo e quando reunidos evitar ficar sempre comentando sobre notícias trágicas;

* Poupemos em alguma medida nossas relações já que estamos todos na mesma situação;

* Zelar ou mesmo resgatar laços afetivos e sociais ao se colocar disponível naquela área que domina, mas que um familiar ou amigo tem mais dificuldade ou o inverso e buscar informações com quem possa vir ao auxílio;

* Enquanto pais, acompanhar seus filhos mais de perto, estimular brincadeiras com sua presença, ler livros infantis e contar histórias, reparar seu desenvolvimento, ritmo e suas dificuldades. Aproveitar esse momento para estar na relação e renovar o vínculo afetivo como também a sensação de prazer ao desfrutar do momento familiar. Ainda, vale a menção que as crianças conseguem captar a preocupação dos pais, cabe a estes, quando a situação assim pedir, dizer a verdade sobre o isolamento
social e saibam que mentir é um complicador, pois elas percebem que a algo de errado;

* É comum os idosos possuírem um vínculo mais forte com a rotina e terem grande dificuldade com alterações impactantes e repentinas, por isso, a necessidade de atenção e tolerância.

A importância em cumprir as tarefas, de se chegar ao fim da atividade proposta, está no fato de que tudo isso são estratégias que, somadas, nos ajudam, por um lado, a evitar cair num cotidiano de baixa, de lacuna, confuso, desconfortável e mesmo depressivo. De outro, potencializa o sentimento de autoconfiança, de conquista, crescimento, de ser efetivo, entre outros.

É preciso ainda ter em mente que um acontecimento como esse contém várias etapas ou fases e que devemos estar a par delas. No Brasil, sentimos que estamos apenas em seu início e que é incerto quanto tempo vai levar, mas que tudo isso vai passar. Estar consciente sobre isso é um dos pontos fundamentais para fazer a travessia até o final deste processo.

Ao longo de sua história a humanidade se deparou com situações, tais como, guerras, pestes, entre tantas outras, que apresentaram características semelhantes ao momento atual, como exemplos, inúmeras mortes, a incerteza cronológica de sua duração, falta de informações precisas e claras referente a medidas protetivas ou preventivas e, que, assim como agora, também nos exigiram como medidas de enfretamento o isolamento e confinamento. E ao olharmos para trás, percebemos que momentos assim – de exceção – provocaram significativas transformações nas sociedades, pois, é justamente aqui que podemos visualizar o status antes estabelecidos que distorceram valores e toma-lo como oportunidade em repará-los, superar a velha ordem por meio de uma tomada de consciência social.

Por fim, para aquelas pessoas que sentirem maior dificuldade em fazer essa travessia sozinhas ou por acirramento de seus sintomas ou por quaisquer outros motivos vale lembrar que o Conselho Federal de Psicologia recentemente lançou uma resolução – 4/2020 – que regulamenta a prestação de serviços psicológicos online durante a pandemia COVID-19.

 

Luciano Faria de Sá – Psicólogo e Psicanalista.

 

 

15 de abril de 2020